A VOZ: UMA CONVERSA ENTRE JOSÉ CRAVEIRINHA & NOÉMIA DE SOUSA
* Diálogo ficcional - retirado dos livros Sangue Negro, Karingana ua Karingana e Xigubo.
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José Craveirinha:
Sobre nós
e a música do quarteto
permanecem vivas as coisas.
Noémia de Sousa:
Tirem-nos a machamba que nos dá o pão,
- mas não nos tirem a música!
JC:
Se me visses cantar
os milhões de vezes que morri
e sangrei…
NS:
Que séculos de escravidão
geraram tua voz dolente?
JC:
Os homens magros como eu
não pedem para nascer
nem para cantar.
NS:
Gentes estranhas com seus olhos cheios doutros mundos
quiseram cantar teus encantos.
JC:
E tu, conterrânea?
NS:
Se me quiseres conhecer:
órbitas vazias no desespero de possuir a vida
mãos inspiradas
boca rasgada em ferida de angústia.
JC:
Ouvi tua canção distante.
NS:
Esperança de que a xituculumucumba já não virá
em noites infindáveis de pesadelo,
sugar com seus lábios de velha
nossos estômagos esfarrapados de fome.
JC:
E construiremos escolas
hospitais e maternidades ao preço
de serem de graça para todos
e estaleiros, fábricas, universidades
pontes, jardins, teatros e bibliotecas
SIA-VUMA!
NS:
Nervosamente,
sento-me à mesa e escrevo…
Dentro de mim,
"deixa passar o meu povo".
JC:
E neste poema em quantos trapos
se esconde o rei da fome de cada um
e levanta a cabeça o preciso
verso da fome de cada lei?
NS:
Estávamos iguais
Com duas diferenças:
Não era interrogada
E por descuido podiam pisá-la.
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Glossário:
Sia-Vuma - em cada invoncatória responde-se com o refrão "Sia-Vuma" correspondente ao Ámen!
Xituculumucumba - em chagana; ente fantástico que assusta as crianças.